DE ENGENHO A CAMPO DE GOLFE OFICIAL (A evolução do campo de golfe do Caxangá)


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Por Richard P. Conolly

De uma propriedade onde se produzia açúcar e mel para o campo de golfe oficial de hoje, muito aconteceu ao longo dos últimos 85 anos nas terras do antigo Engenho Poeta. Desde seu início em outubro de 1928, o campo de golfe do Caxangá vem mudando constantemente.Essa evolução começou com um pioneirismo determinado seguido pelo trabalho de muitas gerações, com as alegrias e os percalços que sempre caracterizaram o crescimento do golfe no Brasil. Nasceu como um campo improvisado de nove buracos numa área de 20 hectares. Os greens eram cercados de arame farpado que os protegiam do gado que continuava pastando na área arrendada dos proprietários do antigo engenho. Os greens também serviam de refugio para os praticantes que freqüentemente eram atacados por bois e vacas mal humorados.

Em 1930, foram autorizadas as primeiras intervenções na superfície do terreno, com a construção de bunkers e valetas de drenagem, a instalação da primeira bomba para irrigação de um green e aquisição de um rolo para nivelar os fairways. Somente em 1937, o gado foi retirado do campo para outro cercado custeado pelo clube e comprada a primeira máquina para corte dos fairways, já que não haveria mais a contribuição de corte do rebanho pastando.

Depois de muitos anos de negociação com o novo proprietário, Coronel Francisco Heráclito, em 1945 foi concretizada a compra de 72 hectares da parte norte das terras do Engenho Poeta. Com o produto da venda do loteamento de parte da propriedade localizada entre a Rua Engenho Poeta e o antigo quartel do Caxangá foi concluída a construção da nova sede em 1947. Nesse ano, foi iniciada a construção de novos greens e alterada a localização do tee e do green do buraco 1. O tee ficava próximo a sede do antigo engenho e o green na metade do percurso do buraco atual. Esses trabalhos de melhoria do campo foram comandados pelo profissional de golfe Durval Pedroso da Silva que foi o primeiro Head Pro do clube, que residiu no Recife de 1944 até 1950. Quando o clube comemorou seu 25º aniversário, já contava com 460 sócios e surgiu, naturalmente, a ambição de ter um campo oficial de 18 buracos.



1949- Durval Pedroso, primeiro sentado à esquerda, com um grupo de jogadores
que disputaram a Taça George Little, criada em homenagem ao fundador do
clube. Segurando a taça, Harold Morrissy, o presidente do clube de 1944 a 1953.

Os planos para a implantação dos nove buracos adicionais na parte norte da propriedade foram desenvolvidos pelo profissional Luiz Dedini (Dito) que havia sido contratado pelo clube em 1950. O traçado criado por Dedini começava com o tee do buraco 10 aproximadamente onde hoje está localizada a sala de sinuca e terminava no green do buraco 18 onde fica o parque infantil. Os trabalhos de construção foram iniciados em 1954 pelos tees e greens. Depois os bunkers e uma grande valeta de drenagem, ligando a parte mais baixa do campo com o Rio Capibaribe. Com poucas árvores e fairways serpenteando pelo terreno entre o capim alto, os buracos lembravam um “links” escocês. O novo campo foi aberto em dezembro de 1957 e após o corte da fita, a honra da tacada inicial foi concedida ao professor Dedini que, trajado com gravata, camisa branca de mangas longas e sapatos de duas cores, deu um belo “slice” em direção ao capim na margem direita do fairway.

Infelizmente, em 1959, após uma grande enchente que destruiu boa parte do campo, os novos buracos foram abandonados e os poucos recursos existentes foram concentrados na preservação dos buracos originais. Essa decisão deve ter sido muito difícil e dolorosa para os dirigentes da época e causou muita tristeza e frustração a Dedini que havia se dedicado intensamente durante três anos na construção do novo campo. Talvez por isso ele tenha retornado para São Paulo no ano seguinte onde foi contratado para trabalhar na construção da segunda volta do São Fernando Golf Club.



1953- Da esquerda para a direita, Luiz Dedini, com sua elegância de sempre, com
as filhas Maria Aparecida e Cleonice no tee do buraco 1.

Nos dez anos seguintes, foram reformados os greens dos buracos 2, 6 e 8 e o buraco 2 foi alterado de um par 4 curto para um par 3 longo. Foram construídos tees adicionais nos buracos 1, 2, 3, 5, 6 e 8 que permitiram variar a forma como esses buracos eram jogados entre as primeiras e segundas voltas, tornando o campo menos monótono. Em 1974, foram construídos dois novos buracos. Um par 3 e outro par 4 aumentando o número de buracos para 11.

Curiosamente, a grande enchente de 1975, que destruiu a maioria dos greens, possibilitou um grande salto qualitativo no campo. O profissional Abílio Cordeiro Pereira, contratado apenas quinze dias antes da enchente e que permaneceu no clube até 1980, recuperou o campo com o apoio de máquinas cedidas por um usineiro sócio do clube. Esse talvez tenha sido um dos maiores desafios de sua carreira. Abílio refez os greens com grama bermuda, espécie que nunca havia sido usada no campo. As superfícies dos greens melhoram muito e foram elogiados pelos jogadores de ponta do Rio de Janeiro e de São Paulo que vieram participar do 2º Aberto de Golfe do Recife em 1977.



1975- Abílio C. Pereira, de pé na calçada da Av. Caxangá, observando a destruição
causada pela enchente. Quais seriam seus pensamentos?

Nos primeiros anos da década de 90 foram implantados mais dois buracos de par 4 passando o campo a contar com 13 buracos. Assim o campo permaneceu por quase duas décadas até que, em meados de 2009, reacendeu o desejo de voltar a contar com um campo oficial de 18 buracos. Um novo projeto reaproveitando a área restante da parte norte da propriedade foi desenvolvido pelo arquiteto Michel Lang que contemplou a criação de muitas lagoas para melhorar a drenagem do campo. Em dezembro de 2011, foi oficialmente inaugurado o novo traçado. Essa conquista foi o resultado da determinação e dedicação de abnegados, além do apoio importante da Prefeitura do Recife e do Governo do Estado.

O novo traçado reinseriu o clube e o Recife no rol dos que contam com campos de golfe com dimensões oficiais. O campo não é muito longo mais exige, daqueles que desejam domá-lo, um jogo estratégico, talento e a humildade de jogar evitando as lagoas e os obstáculos ao longo do seu percurso. Do contrário, o campo vai morder e engolir o jogador sem mastigar. Há buracos excelentes, particularmente os de par 3, que requerem tacadas precisas para colocar a bola próxima ao buraco e os de par 5 que podem ser jogados de forma agressiva ou defensiva, à escolha do freguês.

Além de estar localizado há apenas 10 km do centro do Recife, o campo oferece o privilégio de poder observar canários da terra, galos de campina, galinhas d’água, quero-queros, capivaras e jacarés pacientemente espreitando a possibilidade de uma refeição. Ao jogar o buraco 7, admire a cajazeira centenária majestosamente posicionada no meio do fairway, que há mais de 80 anos vem levando constantes boladas daqueles que ainda não aprenderam que bolas de golfe não atravessam troncos de árvores.

Do seu nascimento improvisado, das agressões de inúmeras enchentes e das idas e vindas da falta de recursos, o campo vem resistindo bravamente a todos os desafios. Na próxima vez que você colocar a bola no tee, faça um agradecimento silencioso àqueles fundadores, pioneiros, teimosos e abnegados a quem devemos esse legado e que sirvam sempre de fonte de inspiração para que o campo do Caxangá continue recebendo as melhorias contínuas que ele tão bem merece.


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